Domingos Lidi.
Meu pai Domingos Lidi tinha atividades políticas, na década de 60, 70 a 80, meu pai teve intensa participação nos movimentos políticos contra a ditadura e em favor da liberdade e da justiça social, sendo que essas atividades foram exercidas no PCB, ele um dos redatores do Jornal “Folha do Povo”, Órgão Oficial do Partido Comunista Brasileiro, de âmbito estadual de São Paulo, nos anos 80 quando o Povo voltou às Ruas pelas Diretas Já, meu pai estava lá. Nós vimos nascer a Democracia no Brasil e meu pai e seus Companheiros contribuíram para esse Marco da Nossa História. Bom!! Voltando nos anos 70. Durante esse período, a par de suas atividades políticas partidárias, meu pai esteve sempre presente na vida familiar, comigo, com minha mãe e minhas irmãs e meu irmãozinho de 2 meses, meu pai esteve sempre presente em nossas vidas..Ate esse maldito dia no ano de 1970, onde nossa angustia desespero começaram.
Dia 12 de outubro de 1970 ( que ironia dia das crianças). Meu pai chegou com uns homens em casa em uma C14 beje, meu pai disse pra nós que eram umas pessoas que queriam comprar o imóvel, mas pra minha mãe ele deu um sinal ,levaram meu pai pro quarto, e ficaram la por horas, depois falaram que era pra minha mãe levar a gente dali, ficamos na casa da minha vizinha D.Ana, só depois que eles foram embora que voltamos, a casa estava toda desarrumada, colchoes rasgados, tudo jogado pelo chão, minha mãe entrou em desespero... Meu pai sumiu...
...
Ficamos 4 meses sem nenhuma noticia dele, isso era muito angustiante, porque alguns vizinhos da gente que eram estudantes da Puc, e alguns Padres também tinham sido levados e nunca mais voltaram pra casa, minha mãe procurou o Partidão(PCB), mas a maioria já tinham sido presos também, alguns já tinham deixado o país, nossa vida virou um pesadelo, minhas irmas e eu eramos crianças e eramos perseguidas,
não podíamos sair na rua, sempre tinha aqueles homens nos olhando pra saber se íamos levar algum recado pros companheiros de meu pai, as professoras da escola em que a gente estudava, levava provas e as matérias pra gente em casa. Vizinhos não olhavam mais pra gente, com medo dos militares, não quero generalizar, mas os que baniram a gente foram os evangélicos. Os pais dos meus "amiguinhos", proibiam ate falar nosso nome, por medo de repressão..
Nos fomos banidas pela Sociedade de Hipócritas..
Meu pai, ficou desaparecido por meses.
Ele era Sargento do Exercito PE, e tinha dado baixo alguns meses antes,
e minha mãe( minha mãe valente) foi na Auditoria de Guerra, na Brigadeiro Luís Antônio,e falou
com um juiz(não sei se ele era major) só sei que ele juiz de Exercito Brasileiro,
juiz Dr. Paiva, colocou o exercito atrás de meu pai, porque a Civil falava
que ele não estava com eles (aquele tempo tinha aquele tal de Esquadrão da Morte)
Nessas alturas meu pai já tinha sofrido as mais duras penas, torturas de tudo
quanto é jeito que vocês nem imaginam, porque ele não delatou nenhum companheiro, então sofreu mais ainda, meu pai foi forte... grande pai que eu tinha..
Estava no Barro Branco e tinha passado pelo Doí COI à Rua Tutóia, São Paulo,
Tinha dia que ele queria a morte...
Uma noite colocaram ele em um helicóptero e amarram ele numa corda e ficaram
sobrevoando com ele pendurado por horas, ai desceram em um lugar que já tinha alguns
homens esperando em um cemitério clandestino, e fizeram ele abrir uma cova,
que era pra ele mesmo, ai meu pai já não aguentava mais falou " Acabem logo
com isso seus FDPs", eles riram, nisso o radio do carro chamou,
e o cara disse, "Parem com o serviço, o Capitão Fleury quer o Lidi aqui"
o outro respondeu " Negativo , esse já era", o outro falou "Cara não brinca, o Exercito está atrás dele"
Bom terminou o terror pra ele e pra nós... ficamos mais uns dias sem ver ele, por causa das torturas ele estava muito machucado...
Me lembro como se fosse hoje, minha mãe, meus avos, eu e minhas irmas,
entramos em uma sala bem grande com um monte de sofás de cor vinho e cortinas
de veludo, era a sala do Diretor do DOPS/SP, Dr° Trajano, foi o dia mais feliz de minha vida,meu pai apareceu nessa sala de cabeça raspada, muito mais alto do que eu
imaginava(estava magro com seus 1.99 mts, abriu os braços pra gente e falou
" MINHAS MENINAS QUE SAUDADE"...
Nossa!! agora tenho um nó na garganta, vou ali chorar um pouquinho e já volto!!
Bom, ele ficou preso 1 ano e saiu com condicional, Mas passaram alguns meses, pediram a preventiva dele, e ai ele saiu do Brasil, foi pra Cuba..só que meu pai
não era homem de fugir da luta e não ia deixar a gente sozinhas, ele voltou e ficava escondido, dormia no cemitério da Vila Formosa, era fugitivo...mas tava ali com a gente, e quando ele ia a noite pra casa, sempre minha mãe deixava um sinal.. um código se a barra tava limpa, se não tinha acontecido nada de suspeito, ele deixou a barba e os cabelos crescerem, e um amigo dele Nelson, deu emprego pra ele, meu pai era serralheiro Artístico e prof no Senai, teve oficina de Serralheria mais de 30 anos na AV. DR. Eduardo Cothing, 1860 na Vila Formosa.
Ele estava trabalhando com esse amigo, minha mãe estava gravida da Babi, nessa época estávamos morando na Vila Carrão (1972), foi quando meu pai ia pegar o ônibus pra ir trabalhar encontrou o ex marido de minha tia, tio Osvaldo, e esse não deixava meu pai pegar ônibus ficava segurando ele sempre querendo falar algo sem nexo, sim esse fdp entregou meu pai, vieram os homens e levaram ele, isso era 13:00 hrs e meu tio só veio avisar eram 16;30 quando minha mãe tinha ido
buscar a gente na escola, bom ele ficou mais 3 anos preso, só que sem torturas,
ficou preso no Presidio Tiradentes na Luz, era um quartel do exercito..
Hoje é uma agencia do Itau, quantas mortes aconteceram naquele lugar,
era preso que entrava e não voltava mais...nunca mais foram vistos por ninguém...
De novo saiu com condicional, mas nunca mais voltou pra la graças a Deus,
Foi a era de Chumbo, o presidente da Republica na Época era Emílio Garrastazu Médici..Em 74 mudou de presidente e veio outro FDP Ernesto Geisel...
Depois o Figueredo e com esse a anistia.
Lembro de uma musica que eles cantavam nas janelinhas das grades, quando
ia visitar meu pai.. COMPANHEIRO, BOA NOITE COMPANHEIRO SAI AO MENOS
NA JANELA QUERO VER VOCÊ PARTIR....Esse era o Hino da Condicional.
Pra quem não sabe o que é um pau de arara, essa imagem diz tudo.
Posso dizer que meu pai apesar de tudo que passou teve mais sorte, porque meu pai voltou com vida desse pesadelo, apesar das sequelas e as cicatrizes da alma, e tantos outros Companheiros, que ate hoje ninguém sabe sobre o paradeiro deles, que a família não tiveram chance de fazer um enterro dignos a eles...Muito Triste isso.. E apesar das torturas, dos sofrimentos, e ele sempre falava se precisasse, passaria de novo, tudo pelo Ideal. Meu Pai Herói!!
Sabe, o que me da mais raiva?? quando escuto alguém dizer que na época da Ditadura Militar era boa, ou que o Brasil tinha que ser Governado de novo pelos Militares, Cara!! eu já mandei muita gente calar a boca..Bom pra terminar, Ditadura Militar nunca mais, só quem sofreu com ela, que pode dizer que foram os piores anos que o Brasil já viveu. Minha família e eu fomos Vitimas da Ditadura e isso dói ate hoje.
Ah! só mais uma coisa, o Gil Gomes aquele sensacionalista, falou muito mal de meu
pai, fez reportagem la na oficina dele e disse, que naquele local tinha sido
desbaratinada uma quadrilha de TERRORISTA. Meu pai era um Idealista, um Socialista.
Ditadura Nunca Mais!!!
Documentos da ditadura estão disponíveis na internet
01/04/2013 12:25 - Portal Brasil
Foram digitalizados cerca de um milhão de páginas de documentação que, além de trazer conhecimento ao público, para fins históricos e de pesquisa, também vão facilitar o trabalho de reparação da Comissão de Anistia.
http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2013/04/01/documentos-da-ditadura-estao-disponiveis-na-internet
darlene lidi.
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